Um Sentimento de Urgência

“Desculpe, a minha familiar desapareceu, pode ajudar?”.

Começou assim a minha provação numa deslocação às Urgências do Hospital de Faro, para resolver um inesperado problema de saúde.

Entre a dor que sentia e o desespero de outros pacientes, vivi um cenário perturbador de caos.

Já antes de entrar tinha sido confrontada com uma Linha Saúde 24, que pretendia fornecer uma primeira triagem e permitir que eu (naquele dia a paciente) chegasse às urgências com as perguntas administrativas respondidas, podendo seguir rapidamente para tratamento.

A realidade que encontrei à chegada ao hospital foi uma desilusão. No meio da minha dor, tive de voltar a repetir tudo e esperar horas pela triagem.

Ao mau estar característico de alguém que se vê forçada a dirigir-se a uma urgência hospitalar, foi-se instalando o sentimento de que este SNS da esquerda é um falhanço nacional.

À confusão inicial seguiram-se horas intermináveis entre corredores e salas de exames, apinhadas de pessoas em sofrimento – cada uma pior que a outra – atiradas para camas improvisadas, sentadas no chão ou mesmo encostadas umas às outras, na tentativa de obter algum conforto, num verdadeiro cenário apocalíptico.

Regressando à senhora desaparecida com que iniciei, familiar de um senhor de idade com um ar confuso, que me abordou, em desespero, perguntando-me a mim, e a quem ia entrando nas urgências, pela mulher. Abandonado por um SNS que não foi capaz de evitar que uma doente de psiquiatria de risco, que entre a triagem e os corredores de exames, desaparecesse das urgências do Hospital.

E não, a culpa não é dos profissionais de saúde.

Os hospitais encontram-se lotados, os profissionais de saúde em número insuficiente e exaustos do esforço de “ir à dobra” para não deixar ninguém sem tratamento, e que desde o início da pandemia lutam para manter à tona um SNS debilitado.

Um SNS que vê serem prometidas reformas há mais de 6 anos, mas continua a ter os menores níveis de investimento de sempre, e que se arrasta, como se arrastam os pacientes das urgências por este país fora.

E se eu pudesse dar um final feliz a esta história, daria.

No entanto, passadas sete horas, entre a espera e alguns exames, uma senhora no atendimento gritava em desespero que tinha deixado a mãe ao cuidado do hospital, no dia anterior, e que agora recebia a informação de que desconheciam o seu paradeiro.

Em menos de 12 horas duas vidas diferentes, duas histórias iguais. O mesmo desespero.

O mesmo hospital que poucos dias depois trocou os cadáveres de duas pessoas, enviando uma delas, erradamente, para cremação.

O congresso que a Ordem dos Médicos promoveu sob o mote “A saúde em mudança”, não tem adesão com tudo o que ouvimos falar nos últimos anos. Problemas estruturais de um sistema que não muda e cujos anúncios de melhoria resultam sempre ineficazes.

A saúde tem mesmo de mudar, mas sobretudo mudar nas políticas, no preconceito ideológico.

O SNS tem de se abrir à participação de todos quantos têm capacidade de oferecer resposta de qualidade às populações.

Sem um serviço de saúde nacional forte, não será possível acudir a uma população necessitada de respostas concretas e céleres.

Não podemos ter casos de pessoas desaparecidas ou amontoadas à espera de tratamento.

Não podemos ter tempos de espera de um dia inteiro, não podemos ter profissionais de saúde exaustos, não podemos ter entes falecidos trocados, em suma, não podemos ter caos nos hospitais públicos.

A saúde tem de mudar em Portugal e não ser apenas o mote de um congresso. Porque um ministro que considera que não existe caos nas urgências hospitalares é porque, de facto, não tem pisado o chão de um hospital público nos últimos anos.

07.02.2023 – Liliana Fidalgo, Vice-Presidente do PSD Lisboa